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FILHOS DE DEUS 1 – JOÃO 1. 12 E 13

Por: Pr. Messias Santos

O que é um cristão? A pergunta pode ser respondida de muitas maneiras, mas a melhor resposta que conheço é que o cristão é alguém que tem Deus como Pai.

Não se pode dizer isto, porém, de todas as pessoas, sejam cristãs ou não? Com certeza não! A idéia de que todas as pessoas são filhas de Deus não é encontrada em parte alguma da Bíblia. Só existem dois tipos de pessoas no mundo, os filhos de Deus e os filhos do diabo. O Antigo Testamento mostra Deus como o Pai não de todos, mas apenas de seu povo, a descendência de Abraão. "Israel é meu primeiro filho, e eu já lhe disse que deixe o meu filho ir" (Êx 4:22,23).

O Novo Testamento, embora apresente uma visão mundial, também mostra Deus não como Pai de todos os homens, mas só dos que, reconhecendo-se pecadores, depositam sua confiança no Senhor Jesus Cristo como seu divino Salvador e Senhor, só assim tornam-se descendência espiritual de Abraão. "Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus [...] pois todos são um em Cristo Jesus. E, se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa" (Gl 3:26-29).

Ser filho de Deus, portanto, não é um estado universal obtido por nascimento, mas um dom sobrenatural recebido por meio de Jesus. "Ninguém vem ao Pai" — em outras palavras, é reconhecido por Deus como filho — "a não ser por mim" (Jo 14:6). O dom da filiação a Deus se torna nosso não por termos nascido, mas por meio do novo nascimento.

Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome. Os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne, nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus. João 1:12,13.

Filiação a Deus é, então, um dom da graça. Não se trata, portanto, de filiação natural, mas adotiva; é assim que o Novo Testamento explicitamente a representa. Na lei romana quando um adulto desejava um herdeiro — alguém para continuar o nome da família —, era comum a prática de adotar um adulto por filho, geralmente já com certa idade, em vez de uma criança, como é comumente feito hoje em dia.

Os apóstolos proclamam que Deus ama tanto a quem ele mesmo redimiu na cruz que os adotou como herdeiros para contemplar e compartilhar da glória na qual seu unigênito Filho já entrou. "[...] Deus enviou seu Filho [...] a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que [nós] recebêssemos a adoção de filhos" (Gl 4:4,5). Nós, isto é, os que "[ele] pre-destinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo" (Ef 1:5). "Vejam como é grande o amor que o Pai nos concedeu: sermos chamados filhos de Deus, o que de fato somos! [...] quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é" (1Jo 3:1,2).

Packer faz o seguinte comentário:

Englobamos todo o ensinamento do Novo Testamento em uma só frase se falarmos dele como a revelação da Paternidade do santo Criador. Do mesmo modo, resumimos toda a religião do Novo Testamento se a descrevemos como o conhecimento de Deus, nosso santo Pai. Se quiser julgar até que ponto uma pessoa entendeu o que é cristianismo, descubra que valor ela dá ao fato de ser filha de Deus e de ter a Deus por Pai. Se este pensamento não dominar e controlar suas orações, adoração e toda a sua atitude perante a vida, isso demonstra não ter entendido bem o cristianismo. Pois tudo o que Cristo ensinou — o que torna o Novo Testamento novo e melhor que o Antigo, tudo o que é distintamente cristão, em oposição ao judaísmo — está englobado no conhecimento da paternidade de Deus. "Pai" é o nome cristão para "Deus".

Creio ser isso totalmente verdadeiro e muito importante. Nossa compreensão do cristianismo não pode ser melhor que nosso entendimento sobre a adoção.

Para os que creêm, a revelação de que Deus é seu Pai é em certo sentido o ponto alto da Bíblia, justamente por ser como foi o passo final no processo de revelação registrado nela. Nos tempos do Antigo Testamento, como já vimos, Deus forneceu a seu povo um nome pelo qual podiam se referir a ele e chamá-lo: o nome Yahweh (o Senhor). Por este nome, Deus se proclamou "o grande Eu Sou" — aquele que é completa e coerentemente ele mesmo. Ele é; e é por ele ser quem é que as demais coisas são o que são.

Ele é a realidade por trás de toda a realidade, a causa fundamental de todas as causas e todos os acontecimentos. O nome proclamou-o auto-existente, soberano e completamente livre de constrangimento ou da dependência de qualquer coisa fora de si mesmo. Embora Yahweh seja seu nome aliancístico, tal nome comunica a Israel o que seu Deus era em si mesmo, e não o que seria em relação a eles. Era o nome oficial do Rei de Israel, e havia alguma coisa da reserva real sobre ele. Era um nome enigmático, previsto acima de tudo para despertar humildade e temor diante do mistério do Ser divino.

Totalmente de acordo com isso, o aspecto de seu caráter que Deus salienta com mais firmeza no Antigo Testamento é sua santidade. Olouvor dos anjos que Isaías ouviu no templo, com sua repetição enfática: "Santo, santo, é o Senhor dos Exércitos" (Is 6:3), pode ser usado como lema para resumir o tema de todo o Antigo Testamento. A idéia básica que a palavra "santo" expressa é separação. Quando Deus é declarado "santo", pensa-se em tudo o que o separa, coloca à parte e o torna diferente das criaturas: sua grandeza ("Majestade nas alturas", Hb 1:3; 8:1) e pureza ("Teus olhos são tão puros que não suportam ver o mal", Hc 1:13).

Todo o espírito da religião do Antigo Testamento era determinado pela idéia da santidade de Deus. A ênfase constante era que o ser humano, por causa de sua fraqueza como criatura e seu aviltamento como pecador, deve aprender a se humilhar e a ser reverente diante de Deus. A religião era "o temor do Senhor" — reconhecer a própria pequenez, confessar suas faltas e se humilhar diante da presença de Deus, abrigar-se agradecidamente sob sua promessa de misericórdia e procurar, acima de tudo, evitar o pecado do orgulho. Frisava-se repetidamente que devemos nos manter em seu lugar, a distância, na presença do Deus santo. Esta ênfase se sobrepunha a tudo.

Um novo relacionamento

No Novo Testamento, entretanto, descobrimos que as coisas mudaram. Deus e a religião não são menos que antes; a revelação do Antigo Testamento sobre a santidade divina e a exigência da humildade por parte do ser humano é pressuposta em toda a sua extensão. Algo, porém, foi acrescido. Um novo fator aparece. Os cristãos do Novo Testamento têm a Deus por Pai. Pai é o nome pelo qual o chamam. Pai agora é o nome da aliança — pois o pacto que o prende a seu povo permanece como uma aliança de família. Os cristãos são seus filhos e herdeiros.

A ênfase do Novo Testamento não está na dificuldade e no perigo da aproximação do Deus santo, mas na ousadia e confiança com as quais os crentes podem se aproximar dele — ousadia que brota diretamente da fé em Cristo e do conhecimento da obra salvadora: "por intermédio de quem temos livre acesso a Deus em confiança, pela fé nele [em Jesus]" (Ef 3:12). "Portanto, irmãos, temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu [...] aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé..." (Hb 10:19-22).

Para os que são de Cristo, Deus é um pai amoroso; eles pertencem a sua família, podem se aproximar dele sem temor e estar sempre certos de seu cuidado e interesse paternal. Esta é a mensagem central do Novo Testamento.

Quem pode compreender isto? Tenho ouvido o sério argumento de que a idéia da paternidade divina pode não significar nada para pessoas cujos pais agem de modo inapropriado, sem sabedoria nem afeição, ou ambas, e também para muitos que não tiveram a felicidade de ter um pai que os criasse. Ouvi a falha revelada do bispo Robinson ao falar sobre a paternidade divina em Honest to God [Honesto com Deus], defendida como brilhante movimento no sentido de recomendar a fé a uma geração cuja vida familiar se desintegrou quase completamente.

Isso, porém, é tolice. Em primeiro lugar, é certamente incorreto sugerir que, no campo das relações pessoais, conceitos positivos não possam ser formados por contraste, como a sugestão aqui implícita. Muitos jovens se casam com a resolução de não fazer de seu casamento um fracasso, como viram acontecer entre seus pais: este não pode ser um ideal positivo? É claro que sim. Do mesmo modo, a idéia de nosso Criador tornar-se um pai perfeito — fiel no amor e no cuidado, generoso e previdente, interessado em tudo o que fazemos, respeitando nossa individualidade, capaz de nos ensinar, sábio em dirigir, sempre à disposição, ajudando-nos a descobrir nossa maturidade, integridade e lealdade — é significativa para qualquer pessoa.

Não importa se chegamos a esse pensamento dizendo: "Tive um pai maravilhoso, e vejo que Deus é semelhante, apenas muito maior" ou então: "Meu pai me desapontou em várias situações, mas Deus, louvado seja seu nome, será muito diferente", ou ainda dizendo: "Não sei o que é ter um pai na terra, mas graças a Deus agora tenho um no céu".

A verdade é que todos nós temos um ideal positivo de paternidade pelo qual julgamos nossos pais e os pais dos outros. Pode-se dizer com certeza que não existe uma pessoa para quem a idéia da perfeita paternidade de Deus seja inexpressiva ou repulsiva.

Em todo o caso (e este é o segundo ponto), Deus não nos deixou às voltas com especulações sobre a natureza de sua paternidade baseadas em analogias com a paternidade humana. Ele revelou o significado completo e final deste relacionamento por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, seu próprio Filho encarnado. É de Deus que "recebe o nome toda a família nos céus e na terra" (Ef 3:15). Assim, de sua manifesta atividade como "o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo" (Ef 1:3), é que aprendemos, neste caso particular que é também um critério universal, o que significa realmente esta relação paternal de Deus com os que estão em Cristo. Deus quer que a vida dos cristãos seja o reflexo e a reprodução do relacionamento entre ele e Jesus.

Onde podemos aprender isto? Principalmente no evangelho e na primeira carta de João. No evangelho de João, a primeira bênção evangélica a ser citada é a adoção (1:12), e o auge da primeira aparição de Jesus ressurreto é a declaração de que subiria para "meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês" (20:17). O foco da primeira carta de João são os conceitos da filiação como o dom supremo do amor divino (1Jo 3:1); do amor ao Pai (2:15; ef. 5:1-3) e à irmandade de Cristo (2:9-11; 3:10-17,4:7,21) como a ética da filiação; da amizade com Deus, o Pai, como privilégio dessa filiação (2:13,23,24); da justiça e da fuga ao pecado como evidência da filiação (2:29; 3:9,10; 5:18); e da esperança de ver Jesus e ser semelhante a ele (3:3).

Nestes dois livros bíblicos podemos aprender com toda a clareza o que significava para Jesus essa paternidade e quais suas implicações para os cristãos atualmente.

De acordo com o testemunho do Senhor no evangelho de João, o relacionamento paternal de Deus com ele implicava quatro coisas.

Primeiro, paternidade implica autoridade. O Pai comanda e determina. A iniciativa exigida do Filho é a de resoluta obediência a seu desejo: "Pois desci dos céus não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou"; "[...] completando a obra que me deste para fazer"; "[...] o Filho não pode fazer de si mesmo [...]"; "A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou [...]" (Jo 6:38, 17:4; 5:19; 4:34).

Segundo, paternidade implica afeição. "Pois o Pai ama ao Filho"; "Como o Pai me amou [...] assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço" (5:20; 15:9,10).

Terceiro, paternidade implica companhia. "[...] Mas eu não estou sozinho, pois meu Pai está comigo"; "Aquele que me enviou está comigo; ele não me deixou sozinho, pois sempre faço o que lhe agrada" (16:32; 8:29).

Quarto, paternidade implica honra. Deus quer exaltar seu Filho. "Pai [...] Glorifica o teu Filho"; "O Pai [...] confiou todo o julgamento ao Filho, para que todos honrem o Filho como honram o Pai" (17:1; 5:22,23).

Tudo isso se estende aos filhos adotivos de Deus. Em Jesus Cristo, seu Senhor, por meio dele e sob ele, os filhos são governados, amados, acompanhados e honrados pelo Pai celeste. Como Jesus obedeceu a Deus, também eles devem fazê-lo. "Nisto consiste o amor de Deus" — o Deus "que o gerou" — "em obedecer aos seus mandamentos" (1Jo 5:1,3).

Assim como Deus amou seu único Filho, ele ama seus filhos adotivos. "Pois o próprio Pai os ama" (Jo 16:27). Como o Pai teve comunhão com Jesus, ele tem também conosco: "Nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo" (1Jo 1:3),

Assim como Deus exaltou Jesus, também exalta seus seguidores como irmãos em uma só família. "Aquele que me servir, meu Pai o honrará"; "Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde eu estou e vejam a minha glória, a glória que me deste" (Jo 12:26,17:24). Nestes termos a Bíblia nos ensina a entender a forma e a substância do relacionamento pai-filho que une o Pai e o servo de Jesus.

Textos Bíblicos: NVI

Parte do Material Colhido está no livro “Conhecimento de Deus” de J. I. Packer – Ed. Mundo Cristão.

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