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O QUE NOSSA ADOÇÃO NOS MOSTRA

Por: Pr. Messias Santos

A idéia de propiciação aparece textualmente apenas quatro vezes no Novo Testamento, e nem por isso é menos importante, constituindo, na realidade, o núcleo e o ponto focai de todo o conceito da obra salvífica de Cristo no Novo Testamento. A palavra adoção (em grego significa "estabelecer como filho") aparece apenas cinco vezes, e nessas ocasiões só três se referem à presente relação dos cristãos com Deus em Cristo Jesus (Rm 8:15; Gl 4:5; Ef 1:5). Entretanto, este pensamento é o centro, o ponto focai de todos os ensinamentos do Novo Testamento sobre a vida cristã. Estes dois conceitos, na verdade, estão juntos. Se me pedissem que centralizasse a mensagem do Novo Testamento em três palavras, minha sugestão seria esta: adoção mediante propiciação, e não espero encontrar outra síntese do Evangelho mais rica e mais abundante que essa.

Não é apenas nos quatro evangelhos que a idéia de nossa filiação concedida por Deus é estabelecida como "nosso direito à fonte", como dizia John Owen, dominando o pensamento e a vida. As epístolas também estão repletas dela. Extrairemos nossas evidências principalmente das epístolas, à medida que avançamos para mostrar que a realidade de nossa adoção nos dá discernimento mais profunda permitido pelo Novo Testamento a respeito de mais cinco assuntos: primeiro, a grandeza do amor divino; segundo, a glória da esperança cristã; terceiro, o ministério do Espírito Santo; quarto, o significado do que os puritanos denominavam "santidade evangélica"e por quê; quinto, a questão da segurança do crente.

O AMOR DIVINO

Em primeiro lugar, então, nossa adoção nos mostra a grandeza da graça de Deus.

O Novo Testamento nos fornece duas medidas para avaliar o amor divino. A primeira é a cruz (v. Rm 5:8; lJo 4:8-10); a segunda é o dom da filiação. "Vejam como é grande o amor que o Pai nos concedeu: sermos chamados filhos de Deus" (lJo 3:1). Entre todos os dons da graça, a adoção é o maior. O dom do perdão dos atos passados é grande, por isso saber que...

Carregando vergonha e grosseria escarnecedora,

Em meu lugar condenado ele permaneceu,

Selou meu perdão com seu sangue

... é uma fonte infinita de alegria e encantamento.

Resgatado, curado, restaurado, perdoado,

Quem, como eu, seu louvor cantará?

Assim também, o dom da imunidade e da aceitação, agora e na eternidade, é grande, uma vez você torne para si as palavras de Charles Wesley sobre Romanos 8:

Não temo agora qualquer condenação,

Jesus, e tudo nele, é meu;

Vivificado nele, meu Senhor vivo,

E vestido da justiça divina,

Com ousadia me aproximo do trono eterno

E reivindico a coroa, por meio de meu Cristo.

Nosso espírito adquire asas e voa, como alguns que lêem este capítulo com certeza o sabem. Quando, porém, você se conscientiza de que Deus o tirou, por assim dizer, da sarjeta e o constituiu filho em sua casa — você, um transgressor, culpado, ingrato, hostil, perverso, mas agora milagrosamente perdoado —, sua consciência do amor de Deus "que excede todo o entendimento" se faz maior que tudo o que suas palavras possam expressar. Você também perguntará como Charles Wesley:

Oh, como eu a bondade contarei,

Que tu, ó Pai, me tens mostrado?

Eu, um filho da ira e do inferno,

Possa ser chamado de filho de Deus.

No entanto, você, como ele, talvez não se sinta capaz de responder adequadamente.

No mundo antigo, a adoção em geral se restringia a pessoas ricas sem filhos. O objeto dela, como já dissemos, não era normalmente uma criança de pouca idade, como acontece hoje, mas sim jovens que se mostrassem dispostos a transmitir o nome de família de maneira honrosa e fossem capazes de fazê-lo. Nesse caso, entretanto, Deus nos adotou por amor, não porque nosso caráter e nossas ações tenham nos mostrado dignos de portar seu nome. Ele o fez apesar de demonstrarmos justamente o contrário. Não estamos aptos a ocupar um lugar na família de Deus; a idéia de que ele ama e exalta os pecadores como ama e exalta o Senhor Jesus soa cômica e fantástica — entretanto, isso, e nada menos que isso, é o significado de nossa adoção.

A adoção, pela própria natureza, é um ato de bondade desinteressada em favor da pessoa adotada. Se você se tornar pai mediante a adoção, o fará por escolha, não por obrigação. Do mesmo modo Deus nos adota; porque resolveu fazê-lo. Ele não foi obrigado. Não precisava fazer nada a respeito de nossos pecados a não ser castigar-nos como merecemos. Entretanto ele nos amou, redimiu, perdoou, tornou-nos seus filhos e se entregou a nós como nosso Pai.

A graça de Deus, porém, não pára nesse ato inicial, como o amor dos pais adotivos não cessa quando o processo legal é completado e a criança passa a ser deles. O estabelecimento do status da criança como membro da família é apenas o princípio. A tarefa real permanece: estabelecer um relacionamento verdadeiramente filial entre você e a criança adotada. É isso, acima de tudo o que você deseja ver; assim, se esforça para conquistar o amor da criança mediante seu amor por ela. Você procura despertar a afeição oferecendo afeição.

O mesmo acontece com Deus, durante toda a nossa vida neste mundo e por toda a eternidade. Ele estará constantemente demonstrando, de um modo ou de outro, mais e mais seu amor, e assim, aumentando nosso amor por ele. A perspectiva apresentada aos filhos adotivos de Deus é a eternidade de amor.

Conheci uma família na qual o filho mais velho foi adotado em uma época em que seus pais pensavam não poder ter filhos. Quando, mais tarde, seus filhos nasceram, eles transferiram toda a afeição para eles, e o mais velho, adotivo, foi ignorado. Era doloroso ver aquilo e, a julgar pela expressão facial do filho mais velho, tratava-se de uma experiência muito triste. O casal em questão falhou totalmente no desempenho de seu papel.

Na família de Deus, porém, as coisas não são assim. Como o filho rebelde da parábola de Jesus, é possível que não consigamos dizer nada além destas palavras: "Pai, pequei [...] Não sou mais digno de ser chamado teu filho; trata-me como um de teus empregados" (Lc 15:18,19). Deus, no entanto, nos recebe como filhos e nos ama com a mesma afeição duradoura com a qual ele ama eternamente seu querido primogênito. Não há diferentes graus de afeição na família divina. Somos amados tão completamente quanto Jesus. Parece um conto de fadas — o monarca adota crianças abandonadas e perdidas da sociedade e as transforma em príncipes. Entretanto, louvado seja Deus, não se trata de ficção, e sim de um fato sólido, fundamentado na rocha da graça livre e soberana.

Isto e nada menos que isto é o significado da adoção. Não é de admirar que João exclame: "Vejam como é grande o amor!". Quando você entender realmente a adoção, seu coração se expressará do mesmo modo.

Isso, porém, não é tudo.

Esperança

Segundo, nossa adoção nos mostra a glória da esperança cristã.

O cristianismo do Novo Testamento é a religião da esperança, a fé que anseia pelo futuro. Para o cristão, o melhor ainda está por vir. Como poderemos, no entanto, fazer idéia do que nos espera no fim da estrada? Aqui também a doutrina da adoção vem em nosso auxílio. Para começar, ela nos ensina a pensar sobre a esperança não como possibilidade, nem como probabilidade, mas como certeza, porque é uma promessa relativa à herança.

No primeiro século, a adoção ocorria especificamente para constituir um her-

deiro para quem deixar a herança. A adoção divina também nos faz seus herdeiros, garantindo, portanto, o direito (podemos dizer) à herança guardada para nós: "... somos filhos de Deus. Se somos filhos, então somos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo..." (Rm 8:16,17). "Assim, você já não é mais escravo, mas filho; e, por ser filho, Deus também o tornou herdeiro" (Gl 4:7). A riqueza de nosso Pai é incomen-surável, e vamos herdá-la inteiramente.

Em seguida, a doutrina da adoção nos diz que a soma e a substância da herança prometida é a participação na glória de Cristo. Seremos semelhantes em todos os aspectos a nosso irmão mais velho. O pecado e a mortalidade, a dupla corrupção das boas obras de Deus tanto na esfera moral como na espiritual, serão coisas do passado. "... co-herdeiros com Cristo [...] para que também participemos de sua glória" (Rm 8:17). "Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é" (lJo 3:2).

Esta semelhança se estenderá ao aspecto físico, bem como à mente e ao caráter. Na verdade Romanos 8:23 fala da concessão física como a própria adoção, usando claramente a palavra que significa a transmissão da herança, motivo de nossa adoção: "... nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo". A bênção do dia da ressurreição tornará real para nós tudo o que estava implícito no relacionamento da adoção, pois nos levará à plena experiência da vida celestial já desfrutada por nosso irmão mais velho.

Paulo se refere ao esplendor desse acontecimento assegurando-nos que toda a criação, mesmo indistintamente neste momento, espera e deseja "... que os filhos de Deus sejam revelados [...] a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus" (Rm 8:19, 21). Seja qual for o significado dessa passagem (lembremo-nos de que não foi escrita para satisfazer a curiosidade natural do cientista), ela claramente destaca a suprema grandeza do que nos espera no plano divino perfeito.

Quando pensamos em Jesus exaltado na glória, na plenitude da alegria para a qual ele suportou a cruz (um fato sobre o que os cristãos devem pensar constantemente), devemos sempre lembrar que todas suas posses serão um dia repartidas conosco, pois nossa herança não é menor que a dele; estamos entre os "muitos filhos" que Deus levará à glória (Hb 2:10), e sua promessa para nós, e sua obra em nós, não falharão.

Finalmente, a doutrina da adoção nos fala que a experiência no céu será uma reunião familiar, quando a grande multidão dos remidos se encontrará face a face com seu Pai-Deus e Jesus, seu irmão. Esta é a idéia mais clara e profunda do céu que a Bíblia nos dá. Muitas passagens das Escrituras mostram isso: "Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde eu estou e vejam a minha glória" (Jo 17:24); "Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus" (Mt 5:8); "o veremos como ele é" (1Jo 3:2); "então, contemplarão a sua face" (Ap 22:4); "então veremos face a face" (1Co 13:12); "E assim estaremos com o Senhor para sempre" (1Ts 4:17).

Será como o dia em que uma criança doente deixa finalmente o hospital e encontra o pai e toda a família esperando na porta para recebê-la — um acontecimento realmente familiar. Ao atravessar as águas do Jordão, Fiel, personagem do livro O peregrino, de Bunyan, diz:

Eu me vejo agora no fim da minha jornada, meus dias de tribulação acabaram. A idéia daquilo para que vou e a conduta que me espera no outro lado parecem uma brasa ardente no meu coração... Eu vivia de ouvir dizer e pela fé, mas agora vou para onde viverei pelo que meus olhos virem e estarei com ele, em cuja companhia me deleito.

O que faz que o céu seja céu é a presença de Jesus e a do Pai divino reconciliado, que nos ama por causa de Jesus tanto e com a mesma intensidade que ao próprio Filho. Ver, conhecer e amar o Pai e o Filho e ser amado por eles, na companhia de toda a vasta família de Deus, é a essência da esperança cristã. Como disse Richard Baxter em sua expressão poética da aliança com Deus, apoiada "com boa disposição" por sua noiva no dia 10 de abril de 1660:

Meu conhecimento da vida é diminuto,

O olho da fé está turvado,

Mas é suficiente que Cristo saiba tudo;

E que eu estarei a seu lado.

Se você for cristão e, portanto, filho de Deus, esta perspectiva o satisfará completamente; se não a considerar satisfatória, provavelmente você ainda não seja nem uma coisa, nem outra.

O Espírito

Terceiro, nossa adoção nos dá a chave do entendimento do ministério do Espírito Santo.

Os cristãos de hoje enfrentam muitas armadilhas e perplexidades a respeito do ministério do Espírito Santo. O problema não está em encontrar o título correto, mas em saber qual é a experiência correspondente à obra de Deus referente ao título. Portanto, sabemos pelas Escrituras que o Espírito ensina o que vai na mente de Deus e glorifica o Filho de Deus; que ele é o agente do novo nascimento dando-nos compreensão para conhecer a Deus e também o novo coração para obedecer-lhe. Sabemos ainda que ele habita nos cristãos, santifica-os e fortalece-os para a peregrinação diária. Segurança, alegria, paz e poder são seus dons especiais. Todavia, muitos reclamam, confusos, que estas afirmações são para eles simples fórmulas, não correspondendo a nada que reconheçam em sua vida.

Naturalmente, tais cristãos se sentem perdendo algo vital e perguntam ansiosamente como poderão preencher o vazio entre a imagem de vida no Espírito apresentada pelo Novo Testamento e seu sentimento de aridez na experiência diária. Então, talvez em desespero, resolvem empreender por si mesmos a busca de um acontecimento psíquico transformador pelo qual possam sentir que a "barreira da falta de espiritualidade" pessoal foi rompida para sempre. O acontecimento pode ser denominado "experiência de Keswick", "rendição total", "batismo do Espírito Santo", "santificação total", "selamento com o Espírito", dom de línguas, a "segunda conversão" (se formos guiados por uma estrela católica em vez de protestante) ou a oração silenciosa ou em conjunto.

Entretanto, se alguma coisa acontecer, e eles se sentirem capazes de identificá-la com o que estavam procurando, logo descobrem que a "barreira da falta de espiritualidade" não foi afinal rompida e assim mudam ansiosos para alguma coisa nova. Muitos hoje são apanhados nessa confusão. Perguntamos: que ajuda pode ser oferecida a essas pessoas? A luz derramada pela verdade da adoção sobre o ministério do Espírito fornece a resposta.

A causa de problemas como os descritos é um tipo de sobrenaturalis-mo falso e mágico que leva as pessoas a ansiar pelo toque transformador, como o de uma força elétrica impessoal, que as libertará completamente de todos os fardos e cadeias da vivência consigo e com os outros. Elas crêem ser esta a essência da verdadeira experiência espiritual. Pensam que a obra do Espírito é dar-lhes experiências como as viagens de lsd (que prejuízo causam os evangelistas quando prometem isto e os viciados equiparam suas fantasias a experiências religiosas! Será que nunca aprenderemos a fazer distinção entre coisas diferentes?).

O fato, porém, é que esta busca por uma explosão interior em lugar de comunhão íntima mostra a profunda incompreensão do ministério do Espírito. A verdade vital a ser aprendida é que o Espírito foi dado aos cristãos como o "Espírito que adota", e é assim que ele age em todo esse seu ministério. Por isso, sua tarefa e seu propósito é levar os cristãos a pensar com clareza cada vez maior no significado de seu relacionamento filial com Deus em Cristo e a reagir cada vez mais profundamente com relação a Deus. Paulo destaca essa verdade ao escrever: "[vocês] receberam o Espírito que os adota como filhos, por meio do qual clamamos 'Aba, Pai'" (Rm 8:15); "Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, e ele clama: 'Aba, Pai'" (Gl 4:6).

Assim como a adoção em si mesma é o pensamento-chave para desvendar a idéia da vida cristã no Novo Testamento e o ponto focai para unificá-la, o reconhecimento de que o Espírito vem a nós como o Espírito que adota é a idéia-chave para desvendar tudo o que o Novo Testamento nos fala sobre seu ministério junto aos cristãos.

Partindo dessa idéia central, vemos que sua obra apresenta três aspectos. Em primeiro lugar, ele nos torna e nos mantém conscientes — às vezes mais claramente, mas sempre, de algum modo, conscientes, mesmo quando a parte maldosa que há em nós nos leva a negar tal consciência — de que somos filhos de Deus pela espontânea graça, por meio de Jesus Cristo. Esta é sua tarefa de prover fé, segurança e alegria.

Em segundo lugar, ele nos leva a olhar para Deus como Pai, mostrando para com ele respeitosa ousadia e confiança ilimitada, como é natural em filhos seguros do amor paterno. Esta é sua tarefa de nos fazer clamar "Aba, Pai" — a atitude descrita é a expressa pelo clamor.

Em terceiro lugar, ele nos impele a agir de acordo com nossa posição de filhos reais pela manifestação da semelhança familiar (isto é, de conformidade com Cristo), pela promoção do bem-estar da família (isto é, amando aos irmãos) e pela manutenção de sua honra (buscando a glória de Deus). Esta é sua obra de santificação. Por meio deste aumento progressivo da consciência e do caráter filial, no esforço de procurar o que Deus ama, evitando o que ele odeia "Somos transformados em sua própria imagem com um esplendor cada vez maior, e essa é a obra do Senhor, que é o Espírito" (2Co 3:18; cph).

Portanto, não é quando nos esforçamos na busca de sensações e experiências de qualquer sorte, mas quando buscamos a Deus, olhando para ele como nosso Pai, valorizando sua amizade e descobrindo em nós a preocupação cada vez maior em conhecê-lo e agradá-lo, que a realidade do ministério do Espírito se torna visível em nossa vida. Esta é a verdade necessária que pode nos tirar do pântano das suposições não-espirituais sobre o Espírito, no qual tantos estão se debatendo hoje em dia.

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